quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Proibir resolve? 12.06.2008 (Pessoas esta reportagem eu li na revista Exame, é do mês de juhno, mas é muito interessante!)

O Congresso acumula projetos para restringir a propaganda, especialmente de cigarros, bebidas e alimentos. É um caminho perigoso — pode significar mais tutela do Estado sobre a vida do cidadão comum

Por Angela Pimenta

Vinte e cinco anos após a restauração da democracia no país, o Congresso Nacional debate se deve ou não limitar a forma como as empresas se comunicam com seus potenciais consumidores e a própria liberdade de os brasileiros decidirem sobre o que comprar. Há hoje em tramitação cerca de 300 projetos de lei que pretendem proibir ou restringir a veiculação de anúncios, principalmente no rádio e na TV. Seus autores escoram-se, quase sempre, no argumento de que é preciso proteger a sociedade dos malefícios e dos prejuízos provocados pelo consumo (ou pelo excesso de consumo) de produtos como cervejas, cigarros, refrigerantes, remédios, doces e alimentos calóricos. Já está provado que cigarro pode matar. Nas manchetes dos jornais, fica evidente que a combinação entre bebida alcoólica e volante pode ser trágica. Crianças com maus hábitos alimentares, de fato, correm grande risco de desenvolver problemas ligados à obesidade. Consumir medicamentos sem orientação médica ou de forma irresponsável vai além do temerário. O trânsito caótico, provocado pelo crescimento da venda de automóveis, tende a aumentar os níveis de poluição. Preocupar-se com tudo isso é louvável e pode ter como foco o bem-estar social. E, diante disso, fica difícil ser contra projetos como esses. Mas será que proibir a propaganda é o melhor caminho? Ou o tiro pode sair pela culatra, apenas estreitando o espaço da comunicação responsável e abrindo brechas para o comércio ilegal, a pirataria e o contrabando, atividades que obviamente não combinam com nenhum tipo de publicidade? O debate tornou-se uma questão tão importante que foi eleito o tema principal do 4o Congresso Brasileiro de Publicidade, que reunirá em São Paulo, em meados de julho, profissionais de agências de propaganda e de veículos de comunicação. “Há um equívoco perigoso na idéia de tentar solucionar os problemas do país proibindo a publicidade”, diz Dalton Pastore, presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade, promotora do congresso. “O resultado prático disso seria apenas a restrição da liberdade de expressão no país.”
É o caso, por exemplo, da Medida Provisória no 2.733, enviada recentemente pelo governo à Câmara, que pretende proibir qualquer anúncio de cervejas, vinhos, espumantes ou ice drinks no rádio e na TV entre 6 horas da manhã e 9 da noite, faixa de horário em que supostamente a garotada está de pé. Considerada de início uma prioridade pelo governo, a chamada “MP das bebidas” chegou a trancar a pauta do Parlamento, atrasando a tramitação de temas como a reforma tributária. Mas o Executivo acabou retirando o caráter de urgência da MP, por ora engavetada. Ainda mais rigoroso, o Projeto de Lei no 1.637, do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), pretende banir do rádio e da TV, até as 9 da noite, todos os comerciais de refrigerantes e comidas tipo fast food. “Considero a propaganda de alimentos uma violência contra as crianças”, diz Bezerra. “A população de obesos está crescendo, e meu projeto estabelece normas que moralizam a divulgação de alimentos.”

Os problemas de saúde pública estão — ou deveriam estar — no topo das prioridades de qualquer país. A forma de enfrentá-los, porém, varia muito. Na Europa, depois de impor restrições à propaganda de cigarros, bebidas e alimentos, comissários da União Européia agora estudam novas imposições a anúncios de carros movidos a gasolina, com o objetivo de incentivar a compra de modelos mais econômicos. Os anúncios europeus teriam de sublinhar o volume de emissões de gás carbônico de cada modelo, além de cortar referências à velocidade ou ao prazer de dirigir os carros. Nos Estados Unidos, por outro lado, prevalece a auto-regulamentação — normalmente são as próprias empresas de comunicação que decidem o que é ou não aceitável em cada meio e horário. Em comum, americanos e europeus buscam também aumentar o escrutínio público por meio de campanhas pelo consumo consciente.
Optar por um ou outro modelo tem implicações em um dos pilares da democracia — a imprensa. “Quando tentam proibir a publicidade, o governo e os parlamentares crêem, erroneamente, que não vão prejudicar ninguém”, diz Pastore. “Mas eles se esquecem de que o mercado de publicidade brasileiro é também a principal fonte de renda da imprensa.” Assim como no Brasil, nos Estados Unidos a liberdade de expressão é uma garantia constitucional. Mas, lá, a famosa Primeira Emenda, anexada à Constituição americana em 1791 e até hoje estudada à exaustão nas escolas de direito, publicidade e jornalismo, proíbe que o Congresso produza qualquer lei que a restrinja. O apreço a esse tipo de liberdade é tamanho que, apesar de o consumo de maconha ser uma contravenção no país, desde 1974 a revista High Times não só publica legalmente artigos que defendem a erva como dá conselhos sobre o plantio e promove uma linha de produtos. Nos Estados Unidos, qualquer tentativa de restringir peças publicitárias idôneas é denunciada como censura. “Aqui, assim como no Brasil, a receita publicitária é uma garantia da independência econômica da imprensa”, diz o americano Gene Policinski, diretor executivo do Centro Primeira Emenda, instituto de pesquisa destinado à defesa da liberdade de expressão. “É essa independência que assegura que a imprensa possa prescindir dos subsídios do governo para melhor servir o interesse público, apurando histórias como Watergate ou escândalos cotidianos que envolvam funcionários do governo.” Segundo Policinski, outra prerrogativa das empresas de comunicação — que também é exercida no Brasil — é rejeitar peças publicitárias de conteúdo racista ou sexista. É tal prerrogativa que leva as redes de rádio e TV a fazer um rigoroso planejamento de mídia, poupando as crianças de anúncios de bebidas alcoólicas e de apelo sexual.

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Liberdade e responsabilidade

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As regras que ditam a publicidade nos Estados Unidos

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Prevalece a auto-regulamentação. Os meios de comunicação voluntariamente fazem um planejamento rigoroso para evitar que crianças e adolescentes sejam expostos a anúncios de bebidas e cigarros

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Por decisão dos próprios veículos, anúncios de cigarros são veiculados apenas na mídia impressa, e os de bebidas alcoólicas em programas de rádio e TV para o público adulto, além da mídia impressa
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A propaganda de medicamentos preenche grande parte do horário matinal no rádio e na TV, mas sempre é acompanhada de advertências sobre os riscos e os efeitos colaterais do consumo desses produtos

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Por enquanto, o modelo brasileiro guarda mais semelhanças com o americano. Segundo muitos especialistas, em países democráticos com economia de mercado, a auto-regulamentação — desde que bem executada — cumpre importante papel na fiscalização da publicidade. Fundado no final dos anos 70, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), além de reunir profissionais do setor, acolhe representantes da sociedade civil, como médicos e advogados. Só em 2007, o conselho abriu 330 processos que levaram à suspensão de 51 peças publicitárias. No começo de 2008, o Conar fez com que a cervejaria Femsa, dona da marca Kaiser, suspendesse um anúncio com Jaqueline Khury, uma das estrelas do reality show Big Brother Brasil, da TV Globo. Segundo denúncia da Ambev, Jaqueline, que é menor de 25 anos, falsificou seus documentos. Uma das regras do Conar determina que os modelos de comerciais de bebidas não apenas sejam maiores mas também aparentem ter mais de 25 anos. “Nossas decisões são respeitadas porque atuamos com isenção, garantindo o pleno direito de defesa dos acusados, e também porque todos os casos são julgados em até 90 dias”, diz Gilberto Leifert, presidente do Conar. “Em casos de infrações graves, podemos decidir pela suspensão imediata da peça publicitária.” Em uma decisão histórica do Conar, no último mês de abril, acatando denúncia de grupos ecológicos, a Petrobras suspendeu um anúncio em que afirmava zelar pelo meio ambiente quando, na verdade, o diesel que produz é um dos combustíveis mais poluentes do mundo.

O fato é que o tema em debate no Congresso é complexo e esbarra em questões de fundo. Uma delas diz respeito aos limites do direito de o Estado interferir no dia-a-dia do cidadão comum — decisão que vai refletir o tipo de sociedade desejada pelos brasileiros. Num extremo, que ainda enfeitiça a parte mais atrasada da esquerda, o cidadão comum é tido como incapaz de decidir sobre a própria vida. Cabe aos representantes do Estado tutelá-lo. Na margem oposta do espectro ideológico estão os defensores do Estado mínimo, que deveria se ater a um conjunto limitadíssimo de funções. Uma visão equilibrada encontra-se em algum ponto entre as duas. “Existe no Brasil essa tendência de o Estado ser um tutor do cidadão, como se a população fosse um conjunto de crianças”, diz o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp. “É claro que drogas que possam causar danos à população têm de ser proibidas, mas não faz sentido o governo escolher o que cada um deve comer ou beber.” A visão que ainda prevalece no país remete à tradição absolutista, na qual a lei escrita pelo rei é a que vale. “Isso é próprio de países que não atingiram o nível de uma democracia moderna, que aceita a pluralidade de opiniões e idéias”, diz. Uma visão que, felizmente, já não combina com o estágio de desenvolvimento do Brasil.

Abraços, Fabíola ^^

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